Como é sabido e percebido por todos os empresários, a sua atividade tem se tornado cada vez mais complexa. Nesse sentido, hoje trataremos sobre o patrimônio de sócio numa sociedade limitada após o seu falecimento, uma vez que o patrimônio da sociedade não se confunde com o patrimônio pessoal do sócio.
As sociedades anônimas e as firmas individuais não produzem grandes dificuldades no momento da sucessão. As ações de uma sociedade anônima, em regra, são titularizadas, endossáveis e assim transmitidas. E o patrimônio da firma individual, por confundir-se com o patrimônio da pessoa física, titular exclusivo desse tipo de empresa, também não trás empecilho na sucessão.
Já para as sociedades limitadas, como maioria esmagadora escolhida pelas famílias no Brasil, pois, além de limitar a responsabilidade pessoal dos sócios pela atividade da empresa, tem normas menos complexas e, consequentemente, menos custosas a situação torna-se mais complexa, pois, pela natureza desta forma de constituição empresarial há terceiros – sócios envolvidos e, não necessariamente há previsão no Contrato Social de inclusão destes cônjuges e herdeiros na sociedade. Pode ser inclusive que não exista previsão para os casos de divórcio ou morte, pois a regra vigente no caso concreto é àquela regulada pelo Contrato Social por ser a disposição de vontade do sócio falecido e por fazer lei entre as partes, ou seja, todos os demais sócios envolvidos.
Após o advento do Código Civil de 2002, os direitos dos cônjuges também foram estendidos aos companheiros. Vejamos como ficou.
1. A PARTILHA DAS QUOTAS SOCIAIS NA SOCIEDADE LIMITADA (artigos 1.052 a 1.087 do Código Civil – CC)
Anteriormente a atividade empresarial era tida, nos casos de divórcio, como patrimônio particular e indivisível do cônjuge/sócio, sendo objeto de discussão e justificação apenas para a fixação da pensão. Rarissimamente haveria de ser tratada sobre a partilha, porque exigiria a previsão no Contrato Social, que não era comum, uma vez que por conta das disposições contratuais eram proibitivos o ingresso de terceiros (mesmo cônjuge) na sociedade sem a autorização dos demais sócios. Ainda hoje, cláusula com essa previsão é comumente encontrada nos contratos das sociedades limitadas.
Mas, há alguns anos, o patrimônio empresarial passou a ser arrolado como patrimônio do cônjuge/companheiro (sócio) a ser partilhado, ou, pelo menos, indenizado, para garantia de meação justa.
1.1. A meação das quotas sociais
A responsabilidade dos sócios é limitada ao valor das quotas devidamente integralizadas.
As quotas sociais de uma sociedade limitada garantem ao sócio um percentual sobre a totalidade da empresa. Tudo isso previsto em contrato que traz o regramento sobre a correlação entre os sócios e, geralmente, proíbe o ingresso de terceiros.
Assim, dependendo do regime de bens do casal, quando um deles constitui uma empresa ou adquire cotas em empresa pré-existente, não resta dúvida que houve o crescimento patrimonial de um dos cônjuges ou companheiro, e, por isso, dependendo do regime de bens, havendo meação, ao cônjuge ou companheiro não sócio, surgem direitos.
O fato é que o direito à meação das quotas sociais, salvo expressa previsão no contrato social, não permite a titularização das mesmas ao cônjuge/companheiro não sócio, salvo numa firma individual ou sociedade anônima.
Por tais razões, ao cônjuge ou companheiro não sócio, o valor decorrente das quotas sociais deverá ser indenizado, ou compensado por outros bens particulares do casal.
1.2. Da chamada subsociedade
Dá-se uma relação denominada subsociedade, àquele que não integra a sociedade, mas na qualidade de cônjuge/companheiro, tem direito à meação. E caso o Contrato Social não permita o ingresso de cônjuge/companheiro ou herdeiros, necessário será promover a indenização referente às quotas sociais adquiridas ou acrescidas pelo sócio que faleceu. Neste sentido:
AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE COMERCIAL C/C PEDIDO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E HAVERES. MULHER CASADA QUE PRETENDE A MEAÇÃO DAS COTAS SOCIAIS DO VARÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA CARACTERIZADA. PARTILHA DE BENS COMO VIA ADEQUADA. Não tem legitimidade ativa para pedir a dissolução da sociedade comercial a esposa de um de seus sócios que não tem participação societária direta na empresa. A pretendida meação das cotas sociais do marido deve ser incluída na partilha de bensdo casal, até porque poderá ser sócia do marido, em suas cotas, mas não da sociedade (TJSC. AC 878659-SC. Rel.: Carlos Prudencio. DJ 9/6/1998).
AÇÃO DE SEPARAÇÃO CONSENSUAL – PARTILHA DE QUOTAS DE SOCIEDADE DE RESPONSABILIDADE LIMITADA – DETERMINAÇÃO DE TRANSFERÊNCIA DA METADE DAS QUOTAS PERTENCENTES AO VARÃO PARA A MULHER – INADMISSIBILIDADE – FORMAÇÃO APENAS DE UMA SUBSOCIEDADE – SITUAÇÃO QUE NÃO AUTORIZA A INCLUSÃO DA ADQUIRENTE COMO SÓCIA DA EMPRESA – EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA CONTRATUAL QUE PROÍBE OS SÓCIOS DE TRANSFERIR SUAS QUOTAS SEM A EXPRESSA CONCORDÂNCIA DOS DEMAIS – INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 334, DO CÓDIGO COMERCIAL E 1.388, DO CÓDIGO CIVIL (TJSC, AI. Relator: Des. Carlos Prudêncio)
As decisões acima denotam que a responsabilidade é exclusivamente do cônjuge/companheiro sócio, e, não da sociedade, pelo cumprimento das obrigações na partilha e os efeitos dela decorrentes.
É entendimento jurisprudencial e legal que a “meeira das cotas” não pode obrigar a sociedade a aceitá-la em seus quadros. Primeiramente, porque o Código Civil/2020 declara a ineficácia dessa transação perante a pessoa jurídica nos termos do art. 1.003. Segundo, porque será necessário apurar e consequentemente pagar os direitos societários que o cônjuge/companheiro adquiriu em vida (art. 1.027 do CC/2002) em razão da sucessão, devendo, portanto, aguardar a liquidação integral da sociedade ou das cotas titularizadas pelo sócio que faleceu, pois a ela, inegavelmente, compete o direito de apurar o quantum correspondente aos direitos que adquiriu.
1.3. Valor a pagar ao cônjuge/companheiro:
O valor da indenização a ser pago ao cônjuge/companheiro não sócio será, primeiramente calculado sobre o valor REAL equivalente a participação societária à época do falecimento.
Para a apuração deste quantum pode o não sócio praticar atos de investigação sobre o patrimônio da empresa, com acesso, inclusive a dados bancários, livros, entre outros tipos de documentos e fatos. Isso se deve ao fato de que quase sempre, o valor real da empresa é muito superior aos valores declarados ou contabilizados.
Neste sentido destacamos a decisão abaixo:
MANDADO DE SEGURANÇA REQUERIDO POR SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA, NA QUALIDADE DE TERCEIRO PREJUDICADO, VISANDO A CASSAR DECISÃO QUE, EM MEDIDA LIMINAR, DETERMINOU A VERIFICAÇÃO CONTABIL DE LIVROS E DOCUMENTOS FISCAIS DA IMPETRANTE. EXAME CONTABIL QUE TEM ASSENTO NO ART. 382 DO CPC, CUJO OBJETIVO E A SEGURANÇA DA PARTILHA DE BENS DECORRENTE DA DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE CONJUGAL. LEGALIDADE DA MEDIDA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO (STJ, RMS 2618/SP, Rel. Ministro ANTONIO TORREÃO BRAZ, QUARTA TURMA, julgado em 24.05.1994, DJ 01.08.1994 p. 18650). (grifo nosso)
A prática de tais atos se dá na forma prevista no Contrato Social ou no Código Civil, considerando como se o sócio buscasse a sua retirada da empresa. Sobre a apuração de haveres, é dito na lei:
Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:
I– se o contrato dispuser diferentemente;
II– se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;
III– se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.
Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. (grifo nosso)
§ 1º O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota.
§ 2º A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário. (grifo nosso)
O cônjuge/companheiro tem legitimo interesse na investigação do real valor das quotas sociais, mesmo nos casos de sócio minoritário. Por tudo isso, não é raro ver contratos sociais admitindo cônjuges/companheiros na sociedade nos casos de falecimento de sócio, ou mesmo, no fim da união conjugal, visando evitar que as informações reais da empresa sejam descortinadas (“caixa dois”) no judiciário no seio empresarial, mantendo a discussão nas varas de família.
1.4. Rendimentos e alimentos:
Além da indenização do cônjuge/companheiro não sócio sobre o valor das quotas que possui decorrente da meação, as verbas assessórias decorrentes deste mesmo patrimônio, tais como o juros de um capital, são devidos ao cônjuge/companheiro não sócio. Vejamos:
MEDIDA CAUTELAR INOMINADA – LIMINAR VISANDO O RECEBIMENTO DE METADE DOS LUCROS E DIVIDENDOS AUFERIDOS PELO REQUERIDO, OURIUNDOS DE SUA PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA EM EMPRESA – CABIMENTO – EMPRESA REQUERIDA QUE DEVE PROVIDENCIAR O DEPÓSITO DO VALOR CORRESPONDENTE À METADE DA RENDA QUE SERIA DESTINADA AO REQUERIDO – MEDIDA QUE VISA PRESERVAR EVENTUAIS INTERESSES PATRIMONIAIS DA AGRAVANTE. DECISÃO REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO (TJSP. AI 994090379411. Rel.: Neves Amorim. DJ 12/04/10)
Lembrando, finalmente, que não há direito ou participação sobre o pró-labore de cônjuge/companheiro sócio falecido.
2. SUCESSÃO DAS QUOTAS SOCIAIS
Ante a tudo acima exposto, no caso de falecimento do sócio, não há assunção imediata dos herdeiros na sociedade, pois os herdeiros e a esposa não fazem parte do contrato social e os demais sócios não são obrigados a aceita-los na sociedade.
Muitos contratos sociais trazem como regra de apuração de haveres na morte do sócio, o pagamento de sua quota em parcelas, com próprios bens da empresa, estoque, entre outras formas. Muitos contratos sociais retiraram ainda da base de cálculo na apuração de haveres, nome da empresa, entre outras questões.
Tais previsões são legítimas e possuem o manto da força vinculante da vontade dos contratantes que, em vida – e após a morte – vinculam esta obrigação entre si e para com seus herdeiros. Afinal, como “patrimônio” o evento morte, não altera tal natureza.
Aos herdeiros quando o contrato social permite sua inclusão, não podem ser compulsoriamente incluídos na sociedade, devem anuir previamente.
Não havendo tal previsão contratual, a regra é a indenização. Por isso, não há que se falar em trazer o inventariante à gerencia ou funções da empresa, mesmo se o sócio falecido era o administrador ou praticava determinadas funções naquela sociedade.
3. CONCLUSÃO
Verificamos que o contrato social poderá prever e disciplinar toda a sucessão de fato, tanto em relação a possibilidade de ingresso do cônjuge/companheiro e ou herdeiros na sociedade, quanto a forma de liquidação das cotas. Por isso, atenção ao Contrato Social e sua redação. Vimos também que a sucessão das cotas societárias e a sua liquidação são assuntos complexos que exigem um olhar atento dos empresários e dos operadores do Direito, para não incorrerem em equívocos.
Fátima Garcia. Advogada familista dedicada a Planejamento Patrimonial Familiar. Professora, Palestrante e Advogada. Especializada em Direito Público, Direito de Empresas e Direito Tributário. Diretora e fundadora da empresa APriori Emp. Imob. Ltda. Mediadora e Conciliadora inscrita no Tribunal de Justiça SP. Coordenadora da Comissão de Direito Imobiliário na OAB – Barueri/SP – biênio 2017/18. Contato: www.fatimasgarcia.com.br