Hoje trataremos sobre a controvérsia ainda pendente de evolução doutrinária e pacificação pela jurisprudência dos Tribunais, pertinente à incidência ou não do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos — ITBI referente às pessoas jurídicas inativas, haja vista as duas regras de imunidade expostas no inciso I do § 2.º do art. 156 da Constituição Federal, assim como o critério da preponderância imobiliária, insculpido na parte final do mesmo dispositivo constitucional.

  1. PREPONDERÂNCIA DE FATURAMENTO OU INATIVIDADE

Duas indagações perduram:

1. A imunidade em tela estende-se às pessoas jurídicas inativas que, se estivessem ativas, desempenhariam predominantemente atividade econômica imobiliária?

2. A pessoa jurídica que não tenha prevalência com o ramo imobiliário tornar-se-ia sujeito passivo do ITBI, caso seja inativa desde sua criação, ou se torne posteriormente ao início de suas atividades?

Portanto, é preciso entender as imunidades insertas no inciso I do § 2.º do art. 156 da CF/88 a saber:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

        II – transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

    § 2º O imposto previsto no inciso II:

        I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;

A incidência do ITBI nas operações que conferem imóveis à pessoa jurídica para formação de seu capital social, pode ou não ocorrer, dependendo sempre do objeto social da sociedade que está sendo formada e do seu faturamento nos próximos três anos, a partir de sua constituição.

As sociedades que são constituídas com capital social representado por imóveis e outros bens, precisarão entregar após três anos, nas secretarias municipais competentes, seus balanços, que serão analisados visando apurar a formação e a composição do seu faturamento anual.

Essa análise conduzirá a duas posições do fisco a saber:

  1. Faturamento preponderantemente obtido de outras atividades previstas no objeto social da sociedade.
  2. Faturamento preponderantemente imobiliário;

O faturamento comprovado através de balanços anuais, se demonstrado como preponderantemente obtido de atividades diversas e não imobiliárias, consolidará a certidão de não incidência do ITBI obtida na Secretaria da Fazenda Municipal.

No entanto, se o faturamento comprovado pelos balanços advir de atividade imobiliária e representar mais de 50%, o fisco exigirá o pagamento do ITBI.

Nesse sentido, cito o seguinte julgado:

    “AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO INTER VIVOS A QUALQUER TÍTULO DE BENS IMÓVEIS E DE DIREITOS REAIS SOBRE IMÓVEIS. IMUNIDADE. TRANSFERÊNCIA DE BENS PARA INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL DE PESSOA JURÍDICA. SUPOSTA AUSÊNCIA DE ATIVIDADE ECONÔMICA. EFEITOS. NECESSIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. ART. 156, II DA CONSTITUIÇÃO Nos termos da Constituição e da legislação de regência, as autoridades fiscais não podem partir de presunções inadmissíveis em matéria tributária, nem impor ao contribuinte dever probatório inexequível, demasiadamente oneroso ou desnecessário. As mesmas balizas são aplicáveis ao controle jurisdicional do crédito tributário. Para reverter as conclusões a que chegou o Tribunal de origem acerca da invalidade de cobrança do ITBI, seria necessário reabrir a instrução probatória, com o objetivo de apurar a suposta falta de atividade econômica da pessoa jurídica que recebeu os bens, bem como para confirmar o intuito de desviar ilicitamente a finalidade da proteção constitucional (Súmula 279/STF). Agravo regimental ao qual se nega provimento” (ARE-AgR 660.434, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe 20.3.2012).

Já a doutrina assim tem se manifestado:

(…) Contabilmente, as receitas são operacionais ou não operacionais.
Receitas operacionais são as percebidas como resultado das atividades que constituam seu objeto social. Não operacionais, de conseguinte, são as que não provêm desse objeto, mas da prática de fatos, como regra episódios, estranhos ao fim precípuo perseguido pela pessoa jurídica. Exemplifiquemos: empresa que se dedique à venda de calçados terá por receitas operacionais aquelas provenientes da venda desses bens. Nada obstante o móvel de sua atividade seja a venda de calçados, pode vir a perceber aluguel de imóvel integrante de seu patrimônio. A receita auferida com a locação do bem imóvel classifica- se como receita não operacional.
Diversamente, são operacionais as receitas provenientes de locação de bens imóveis se este for o objeto da pessoa jurídica. A Constituição não quer imunes apenas as transmissões cujos adquirentes, tendo por objeto atividade consistente na compra e venda, na locação ou no arrendamento mercantil de bens imóveis, aufiram, a esse título, receita operacional que, em relação ao total delas, supere a casa dos 50%. (in Curso de Direito Tributário, Editora Saraiva, Coordenador Ives Gandra da Silva Martins, Edição 2010, p. 988/ 989, sem destaque no original). Assim, o caso é de denegação da ordem por ausência de prova de direito líquido e certo à imunidade.
(…) grifo nosso

  1. PRAZO DECADENCIA NA COBRANCA DO ITBI

O termo inicial é a transferência da propriedade seguida do requerimento de declaração da não-incidência do tributo, dirigido ao município, tendo por fundamento o disposto no já citado artigo 156, §2º, e também o artigo 37, §2º, do Código Tributário Nacional, verbis:

Art. 37. O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.
§ 1º Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinquenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subsequentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo.
§ 2º Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição.
§ 3º Verificada a preponderância referida neste artigo, tornar-se-á devido o imposto, nos termos da lei vigente à data da aquisição, sobre o valor do bem ou direito nessa data.
§ 4º O disposto neste artigo não se aplica à transmissão de bens ou direitos, quando realizada em conjunto com a da totalidade do patrimônio da pessoa jurídica alienante.”

O pedido, se deferido pela administração municipal, vem normalmente acompanhado da seguinte ressalva: O reconhecimento do benefício, porém, não gera direito adquirido, já que de acordo com a legislação vigente a Requerente deverá comprovar as determinações contidas na Lei Municipal.”

Fica nesses casos o adquirente do imóvel cientificado de que a verificação da atividade preponderante, para fins de atendimento às normas legais municipais, se dará após encaminhamento à Coordenadoria do ITBI, dos balanços e demonstrativos analíticos de receitas e despesas, bem como de outros elementos considerados necessários pela autoridade competente.


Portanto, havendo um evento futuro do qual depende o reconhecimento ou não da não-incidência, é certo que o fato gerador do tributo somente estará aperfeiçoado com o implemento dessa condição. 

Somente aí ocorrerá o fato gerador do imposto de transmissão, assim como o termo inicial do prazo de decadência para o respectivo lançamento, nos termos do inciso I do artigo 173 do Código Tributário Nacional:
Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;
II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.

A rigor, entende-se que durante estes três anos não houve suspensão ou interrupção do prazo de decadência para lançamento do tributo, porque não houve a ocorrência do fato gerador apto a produzir efeitos de forma plena e incondicionada.



Neste sentido:


Tributário. ITBI. Não ocorrência da decadência do direito do fisco de proceder ao lançamento. Como foi requerida a concessão da imunidade prevista no artigo 156, § 2°, I, da Constituição da República e no artigo 37 do CTN, o prazo decadencial não se iniciou com a ocorrência do fato gerador do tributo, mas apenas após a verificação da preponderância da atividade desempenhada pela pessoa jurídica adquirente, a partir de quando foi possível analisar se o imposto é efetivamente devido. Harmonização do artigo 37 com o artigo 173, I, do CTN. Inocorrência de prescrição. Desprovimento do recurso. Manutenção da sentença.’ (TJRJ 5ª Câmara Cível – Apelação Cível nº 2009.001.02647 – Des. ANTONIO CESAR SIQUEIRA julgado em 17.03.2009) 

Agravo de Instrumento. Execução fiscal. ITBI. Exceção de pré-executividade. Transmissão de bens imóveis à sociedade integralização de capital social. Isenção condicionada à apuração da atividade preponderante da sociedade. Decadência não consumada.
Pretende o Agravante ver admitida a exceção de pré-executividade, julgando-se extinta a execução fiscal relacionada ao pagamento de ITBI, ao argumento da ocorrência da decadência. O reconhecimento da não incidência do ITBI na transmissão de dois imóveis incorporados ao capital social da sociedade executada ocorreu em 11 de abril de 2002 (fls. 43), sendo certo que tal isenção estava condicionada à resolução. Mediante interpretação sistemática, de forma a harmonizar as orientações contidas nos artigos 156, §2º, I da CRFB/88, 37, §§ 2º e 3º, 173, I, ambos do CTN, é certo que a Edilidade Municipal deveria analisar os três anos seguintes das atividades da sociedade, visando à verificação da natureza preponderante do objeto da sociedade, e só depois de tal averiguação, ou melhor, a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ser efetuado, se iniciaria o prazo decadencial. Tendo a isenção sob condição resolutiva sido deferida em 11 de abril de 2002, eventual lançamento do tributo só seria possível após no mínimo três anos, tempo em que as atividades da sociedade seriam verificadas, ou seja, somente em 11 de abril de2005, iniciando-se o prazo decadencial em 01/01/2006. Recurso desprovido’ (TJRJ 2ª Câmara Cível – Agravo deInstrumento nº 0045262-22.2010.8.19.0000 – Des. ELISABETE FILIZZOLA julgado em 6 de outubro de 2010) Por todo o exposto, nega-se provimento ao recurso” (fls. 143/147e).


Segundo o art. 173, I, do CTN, o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.


Registre-se, por oportuno, que esta Corte, em hipóteses idênticas à dos autos, já firmou o entendimento de que somente após a verificação de que a empresa não se enquadra na hipótese constitucional de imunidade de ITBI, é que se pode começar a contar o prazo decadencial. 

Vejamos a propósito:


“TRIBUTÁRIO. ITBI. ART. 173, I, DO CTN. DECADÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. SÚMULA 83/STJ. EMBARGOS DECLARATÓRIOS CONSIDERADOS PROTELATÓRIOS. MULTA DEVIDA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. Cinge-se a controvérsia dos autos à fluência ou não do prazo decadencial para a constituição do crédito tributário durante o interregno de tempo conferido à Fazenda Pública para proceder a análise de possível imunidade tributária quanto ao pagamento do ITBI de pessoa jurídica que atue na comercialização de imóveis.
2. É assente no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que a decadência para a constituição do crédito tributário só começa a contar a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.
3. No caso dos autos, somente após a verificação de que a empresa não se enquadra na hipótese constitucional de imunidade de ITBI, é que se pode começar a contar o prazo decadencial. Acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência do STJ. Incide a Súmula 83/STJ.
4. A revisão da conclusão do Tribunal de origem quanto ao intuito protelatório dos segundos Embargos implica reexame de fatos e provas, obstado pelo teor da Súmula 7/STJ.
5. Agravo Regimental não provido” (STJ, AgRg no AREsp 70.607/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 17/05/2013).


“TRIBUTÁRIO. ITBI. ART. 173, I, DO CTN. DECADÊNCIA EM RELAÇÃO À CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DECISÃO DA INSTÂNCIA DE ORIGEM. CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE.
SÚMULA 83/STJ.
1. É pacífico o entendimento desta Corte no sentido de que o prazo decadencial para a constituição do crédito tributário só começa a contar a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.
2. In casu, somente após a verificação de que a empresa não se enquadra na hipótese constitucional de imunidade de ITBI é que se pode começar a contar o prazo decadencial.
3. Tendo a Corte de origem decidido conforme entendimento dominante deste Superior Tribunal, impende a aplicação no enunciado da Súmula 83/STJ. Agravo regimental improvido” (STJ, AgRg no AREsp 160.304/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 28/06/2012).
Ora, estando o acórdão recorrido em sintonia com a jurisprudência desta Corte, deve ser aplicada ao caso a Súmula 83/STJ, segundo a qual “não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida”. Ressalte-se que este enunciado é plenamente aplicável ao Recurso Especial interposto com base na alínea a do permissivo constitucional. Nesse sentido: STJ, AgRg no REsp 1427074/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 22/04/2014; STJ, AgRg no AREsp 322.523/RJ, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 11/10/2013).
Ante o exposto, conheço do Agravo para, com base no art. 544, § 4º, II, b, do CPC, negar seguimento ao Recurso Especial. I. Brasília (DF), 03 de agosto de 2015.
MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES Relatora

Por tudo acima destacado, o ITBI em relação aos imóveis levados a conferência de bens pela empresa deve receber atenção especial do contribuinte, pois, pode não ser deferido o pedido, por preponderância de faturamento imobiliário nos primeiros três anos contados do pedido, ou ainda, para se valer do instituto da decadência, serão necessários oito anos contados desse pedido. 

E assim, conte sempre com um profissional competente para essa análise, se oportunas, legais e seguras.